segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Ora e labora

Que toda criatura se torne reflexo de vossa bondade, Senhor!

Li hoje este texto, de um informativo que recebo do Mosteiro da Ressurreição. Achei interessante e partilho com vocês!

Numa tarde de primavera, estava eu trabalhando feliz no jardim do nosso Mosteiro da Ressurreição, quando fui saudado por um visitante muito animado e interessado em saber como vivíamos nesse ambiente de paz quase palpável, envoltos em Deus, ou melhor, Deus tão envolto em nós como uma belíssima e misteriosa névoa matutina, tão presente e ao mesmo tempo intocável.
Naquele mesmo instante soou o sino das dezessete horas, e o visitante, mais que depressa, perguntou-me: Este sino está convidando os monges a orar ou trabalhar? É para o “Ora” ou para o “Labora”? Respondi-lhe docemente que segundo a Tradição monástica, o monge deve estar sempre em oração, de acordo com a primeira Epístola aos Tessalonicenses, 5,17 que nos pede “orai sem cessar”.
Então o visitante ficou confuso e meio que sem jeito perguntou-me: “Mas vocês só rezam”? Respondi-lhe dizendo que rezamos e trabalhamos; e não só isso, pois também temos momentos de convivência fraterna e momentos de recolhimento, fazemos as refeições, lavamos a louça, as roupas, limpamos o mosteiro, trabalhamos na terra, cuidamos dos animais, atendemos e orientamos as pessoas que nos procuram, pintamos ícones, fabricamos velas, cozinhamos e realizamos tantos outros trabalhos, muitos deles tão discretos e eficazes, visto somente por Deus.
Muito mais alegre fiquei quando percebi o rosto admirado e alegre daquele visitante, não podendo esconder sua emoção ao dizer: “Então vocês são pessoas normais”? Num sorriso descontraído, perguntei-lhe o que ele entendia por “normal”. A resposta veio de maneira espontânea:”Homens, e não anjos”. Ao ouvir sua resposta, veio-me muito forte a passagem do Livro do Gênesis 1,26 “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, do Evangelho segundo João 1, 14 “E o verbo se fez carne e habitou entre nós”, e da primeira Epístola de João 4,8 “Deus é amor”.
Deus pensou com carinho no ser humano, criou-o à sua imagem, ou seja, colocou no homem a sua essência: Amor. E soprou em suas narinas o hálito vital, o acompanhou e o sustentou durante a História da Salvação e, por fim, enviou seu único Filho para dar sua vida em resgate do homem. Deus se fez homem para divinizar o homem, pois quanto mais humano, mais divino.
O visitante ficou impressionado! Tantos véus se lha caíam da face, tantas histórias de mosteiros e conventos inventadas e transmitidas por seus antepassados eram-lhe desfeitas num pequeno momento de conversa com um monge. Cheio de coragem, ele perguntou:”Mas como vocês vivem aqui? Como é o dia a dia de vocês?
Respondi-lhe dizendo que o nosso dia é bastante longo; normalmente nos levantamos às 4 horas da madrugada e às 4h20 min iniciamos o nosso primeiro momento de oração, chamado de Vigílias, por ser celebrado de madrugada, nas vigílias da noite, onde, segundo a Tradição monástica, o Senhor Jesus voltará de madrugada; e assim encontrará os monges, orando na Igreja do Mosteiro. Durante todo o dia, temos mais seis momentos de oração na capela e assim passamos o dia entre trabalho e oração, recolhimento, leitura e convívio com os irmãos de hábito.
“Vocês levantam-se às 4 horas da manhã?”! “Sim”, respondi-lhe prontamente. E ele continuou: “É fácil para você se levantarão cedo”? Sorrindo, respondi-lhe com sinceridade: “Não”! Ele riu, compreendendo que tudo na vida exige um querer, um esforço pessoal. Então ele perguntou-me: “O que mais lhe toca ao celebrar as Vigílias”? “Fico sempre tocado pelas orações lidas pelo hebdomadário logo após o hino, onde muitas delas fazem menção de toda a humanidade, com suas lutas, seus esforços, seus medos, suas conquistas. Mas uma delas me chama muito a atenção, que é a oração da quinta-feira da primeira semana, que reza assim: “Pai de bondade, vigiai sobre vossos filhos ainda mergulhados na noite; que ninguém se esquive do vosso olhar de misericórdia, mas que toda criatura torne-se reflexo de vossa bondade, em Jesus, o Cristo, vosso Filho e nosso irmão, na unidade do Espírito Santo”.
Então o visitante confidenciou-me que estava sedento de Deus, que não sentia o chamado à vida monástica, mas que gostaria de aprender a orar sem cessar e assim transformar e santificar seus momentos de trabalho e dar mais qualidade aos momentos de lazer com a família. Foi então que lhe recomendei a leitura de um pequeno livro, mas muito profundo sobre a oração e o trabalho, com o título “Orar e trabalhar”, escrito por Anselmo Grun e Fidelis Ruppert. O visitante despediu-se com um abraço afetuoso e seguiu seu caminho com uma esperança viva e alegre de poder beber um pouco da espiritualidade beneditina, tirada da Sagrada Escritura, e assim dar mais sabor a sua vida, sendo sempre mais aquilo que Deus é: Amor e bondade.

Dom Adalberto Savicki, OSB