I. FAZEI, Ó MÃE,
fonte de amor, / que eu sinta a tua dor / para contigo chorar. / Fazei arder o
meu coração / por Cristo Deus na sua Paixão, / a fim de que mais viva nEle que
comigo1.
O
Senhor quis associar a sua Mãe à obra da Redenção, fazendo-a participar da sua
dor suprema. Ao celebrar hoje esse sofrimento corredentor de Maria, a Igreja
convida-nos a oferecer pela nossa salvação e pela de todos os homens as mil
dores da vida, quase sempre pequenas, bem como as mortificações voluntárias.
Maria,
associada à obra de salvação de Jesus, não sofreu apenas como uma boa mãe que
contempla o seu filho nos maiores sofrimentos, até que morre. A sua dor tem o
mesmo caráter que a de Jesus: é uma dor redentora. O sofrimento da Escrava do Senhor, dAquela que
é puríssima e cheia de graça, eleva os seus atos a tal ponto que todos eles, em
união profundíssima com o seu Filho, adquirem um valor quase infinito.
Nunca
compreenderemos totalmente a grandeza do amor de Maria por Jesus, causa das
suas dores. Por isso, a Liturgia aplica à Virgem dolorosa, como ao próprio
Jesus, as palavras do profeta Jeremias: Ó
vós todos que passais por aqui, olhai e vede se há dor como a minha dor2.
A
dor de Nossa Senhora foi imensa devido à sua eminente santidade. O seu amor por
Jesus permitiu-lhe sofrer os padecimentos do seu Filho como próprios: “Se
rasgam com açoites o corpo de Jesus, Maria sente todas essas feridas; se lhe
atravessam com espinhos a cabeça, Maria sente-se dilacerada pela ponta desses
espinhos; se lhe apresentam fel e vinagre, Maria experimenta todo esse amargor;
se lhe estendem o corpo sobre a cruz, Maria sofre toda essa violência”3. Quanto mais se ama uma pessoa, mais se sente a sua perda.
“Mais aflige a morte de um irmão que a de um irracional, mais a de um filho que
a de um amigo. Pois bem [...], para compreendermos quão grande foi a dor de
Maria na morte do seu Filho, teríamos que conhecer a grandeza do seu amor por
Ele. Mas quem poderá alguma vez medir esse amor?”4
A
maior dor de Cristo – a que o sumiu numa profunda agonia no horto de Getsêmani,
a que o fez sofrer como nenhuma outra – foi o conhecimento profundo do pecado
como ofensa a Deus e da sua maldade diante da santidade de Deus. E a Virgem
penetrou e participou mais que nenhuma criatura desse conhecimento da maldade e
da fealdade do pecado. O seu coração sofreu uma angústia mortal causada pelo
horror ao pecado, aos nossos pecados. Maria viu-se submersa num mar de dor. “E
já que cada um de nós contribuiu para acrescentá-la, não devemos compadecer-nos
e procurar reparar as feridas infligidas ao Coração de Maria e ao Coração de
Jesus?”5
II. ATRAVÉS DE MARIA e de José, as criaturas que mais amou
nesta terra, o Senhor parece ter querido ensinar-nos que a felicidade e a
eficácia não estão nunca longe da Cruz. E se bem que toda a vida de Nossa
Senhora esteve, junto com a do seu Filho, orientada para o Calvário, há contudo
um momento especial em que lhe é revelada com particular clareza a sua
participação nos sofrimentos do Messias, seu Filho. Maria, acompanhada de José,
foi ao Templo para se purificar de uma mancha legal que não tinha contraído e
para oferecer o seu Filho ao Altíssimo. Nessa imolação que fazia de Jesus,
vislumbrou a imensidade do sacrifício redentor, conforme tinha sido profetizado.
Mas Deus quis também revelar-lhe por meio de um homem justo, Simeão, a
profundidade desse sacrifício e a sua participação nele. Movido pelo Espírito
Santo, Simeão disse-lhe: Eis
que este menino está posto para ruína e para ressurreição de muitos em Israel,
e para ser sinal de contradição. E uma espada trespassará a tua alma, a fim de
se descobrirem os pensamentos escondidos nos corações de muitos6.
As
palavras dirigidas a Maria anunciam claramente que a sua vida estaria
intimamente unida à obra do seu Filho. “O anúncio de Simeão – comenta João
Paulo II – apresenta-se como um segundo
anúncio a Maria, pois indica-lhe a dimensão histórica concreta em que o
Filho cumpriria a sua missão, ou seja, na incompreensão e na dor [...].
Revela-lhe também que Ela teria de viver a sua obediência de fé no sofrimento,
ao lado do Salvador que sofre, e que a sua maternidade seria obscura e marcada
pela dor”7.
O
Senhor não quis evitar à sua Mãe a aflição de uma fuga precipitada para o
Egito, quando talvez já estivesse instalada numa modesta casa de Belém e
começasse a gozar, com José, de uma vida familiar em torno de Jesus. Não a
dispensou do exílio numa terra estranha, nem de ter que recomeçar a vida com as
poucas coisas que tinha podido reunir naquela viagem apressada... E depois de
terem regressado a Nazaré, não a poupou da angústia daqueles dias em que teve
de procurar Jesus que se deixara ficar em Jerusalém, à idade de doze anos! E,
mais tarde, os anos do ministério público do Senhor foram para Ela uma sucessão
contínua de preocupações, à medida que tinha notícia da má vontade e dos
ataques dos judeus, numa oposição cada vez mais cerrada... Por último,
sobrevieram os acontecimentos da Paixão, em ritmo alucinante, que a Virgem
acompanhou ou presenciou de coração despedaçado: as humilhações ao longo do
processo, a flagelação, os gritos que pediam a condenação do seu Filho à morte,
a solidão e o abandono em que o vê, o encontro no caminho do Calvário... Quem
poderá jamais compreender a imensidão da dor que invadiu o coração da
Santíssima Virgem?... Ali está Nossa Senhora... Vê como pregam o seu Filho na
Cruz... E depois os insultos, a longa agonia de um crucificado... Oh! Quão triste e aflita / entre
todas a Mãe bendita, / que só tinha aquele Filho! / Que angústia não sentia / a
Mãe piedosa ao ver / as penas do seu Filho! / Quem poderia não chorar, /
contemplando a Mãe de Cristo / em tão cruel suplício? / Quem não se
entristeceria / vendo a Mãe assim / sofrer com o seu Filho?8
Ao
considerarmos que os nossos pecados não são alheios a essa dor da nossa Mãe,
mas parte ativa, pedimos-lhe hoje que nos ajude a unir-nos aos seus
sofrimentos, a sentir um profundo horror pela menor ofensa a Deus, a ser mais
generosos na reparação das nossas faltas e das que se cometem todos os dias no
mundo.
III. A FESTA DE HOJE convida-nos a aceitar os sofrimentos e
contrariedades da vida para purificarmos o coração e corredimirmos com Cristo.
A Virgem ensina-nos a não nos queixarmos dos nossos males, pois Ela nunca o
fez; anima-nos a uni-los à Cruz redentora do seu Filho e a convertê-los num bem
para a nossa família, para a Igreja, para toda a humanidade.
A
dor que teremos de santificar consistirá freqüentemente numa soma de pequenas
contrariedades diárias: esperas que se prolongam, mudanças de planos, projetos
que não se realizam... Noutras ocasiões, apresentar-se-á sob a forma de
pobreza, de perda progressiva do nível de vida a que se estava acostumado, e
quantas vezes até de falta do necessário. E essa pobreza será um grande meio
para nos unirmos mais a Cristo, para imitá-lo no seu desprendimento absoluto
das coisas, mesmo das mais imprescindíveis. Olharemos então para a Virgem no
Calvário, no momento em que despojam o seu Filho daquela túnica que Ela tecera
com as suas mãos, e acharemos consolo e forças para prosseguirmos a nossa
caminhada com paz e serenidade.Pode sobrevir-nos também a doença, e pediremos a
graça de aceitá-la como um tesouro, como uma carícia
de Deus, e de mostrar-nos agradecidos pelo tempo em que talvez não tenhamos
sabido apreciar plenamente o dom da saúde. A doença, em qualquer das suas
formas – mesmo psíquica –, pode ser a “pedra de toque” que comprove a solidez
do nosso amor ao Senhor e da nossa confiança nEle. Enquanto estamos doentes,
podemos crescer mais rapidamente nas virtudes, principalmente nas teologais: na fé, pois aprendemos a ver nesse
estado a mão providente do nosso Pai-Deus; na esperança,
pois sempre estamos nas mãos do Senhor, especialmente quando nos sentimos mais
fracos e necessitados; na caridade,
oferecendo a dor, sendo exemplares na alegria com que amamos essa situação que
Deus quer ou permite para nosso bem.Freqüentemente, o lado mais difícil da
doença é a forma em que se apresenta: “a sua inusitada duração, a impotência a
que nos reduz, a dependência a que nos obriga, o mal-estar que provém da
solidão, a impossibilidade de cumprirmos os deveres de estado... Todas essas
situações são duras e angustiantes para a nossa natureza. Apesar de tudo, e
depois de termos empregado todos os meios que a prudência aconselha para
recuperarmos a saúde, temos de repetir com os santos: «Ó meu Deus! Aceito todas
essas modalidades: o que quiseres, quando quiseres e como quiseres»”9. Pediremos a Deus mais amor e dir-lhe-emos devagar, com um
completo abandono: “Tu o queres, Senhor?... Eu também o quero!”10
Sempre
que o fardo nos pareça excessivamente pesado para as nossas poucas forças,
recorreremos a Santa Maria pedindo-lhe auxílio e consolo, “pois Ela continua a
ser a amorosa consoladora de tantas dores físicas ou morais que afligem e
atormentam a humanidade. Ela conhece bem as nossas dores e as nossas penas,
pois também sofreu desde Belém até o Calvário: uma espada trespassará o teu
coração. Maria é a nossa Mãe espiritual, e uma mãe sempre compreende os
seus filhos e os consola nas suas necessidades.“Por outro lado, Ela recebeu de
Jesus na Cruz a missão específica de amar-nos, de só e sempre amar-nos para nos
salvar. Maria consola-nos sobretudo mostrando-nos o crucifixo e o paraíso [...].“Ó
Mãe Consoladora, consolai-nos, fazei que todos compreendamos que a chave da
felicidade está na bondade e no seguimento fiel do vosso Filho Jesus”11.
Falar com Deus
Francisco Fernadez Carvajal