Todos os milagres que Cristo fez, nos corpos ou nos
elementos materiais, simbolizam os que Ele faz nas almas mediante a graça do
Espírito Santo. Por isso, São João chama sinais os milagres de Jesus.
Dentre eles, as curas dos cegos simbolizam a luz da fé
que Cristo traz aos olhos da alma. Assim o lembrava Bento XVI na homilia de encerramento
do Sínodo dos Bispos, em 28 de outubro de 2012: "Sabemos que a condição de
cegueira tem um significado denso nos Evangelhos. Representa o homem que tem
necessidade da luz de Deus – a luz da fé – para conhecer verdadeiramente a
realidade e caminhar pela estrada da vida".
Vejamos brevemente o sinal da cura do cego de Jericó, a que o Papa se refere
nessa homilia. Estava Jesus de passagem pela cidade de Jericó. À porta da
cidade, achava-se um mendigo cego chamado Bartimeu, pedindo esmola. Ouvindo a
multidão que passava – acompanhando Jesus –, perguntou o que havia.
Responderam-lhe: “É Jesus de Nazaré que passa”. Ele, então, exclamou: “Jesus,
filho de Davi, tem piedade de mim” (Lc 18,36-38).
Quando os olhos da alma estão cegos e
não vemos a luz de Deus, somos semelhantes a Bartimeu. Só temos noções
imperfeitas das coisas da vida e do mundo: somos cegos, ainda que pensemos que
enxergamos tudo bem; ficamos parados, ainda que creiamos que avançamos rumo à
realização; não conseguimos usufruir os verdadeiros bens e belezas da vida, por
mais que procuremos espremer os prazeres até a última gota; e não percebemos
que tudo o que apanhamos não passa de migalhas de «mendigo do sentido da vida»…
Podemos dizer que estamos satisfeitos? Não é verdade que, muitas vezes, na
solidão e no silêncio, temos vontade de chorar sem saber o porquê, pois
sentimos um estranho vazio, uma pobreza interior, uma escuridão inexplicável?
Talvez Santo Agostinho possa projetar luz sobre a nossa amarga cegueira.
Lembremo-nos só das palavras que citávamos na meditação anterior: «Fizeste-nos,
Senhor, para ti, e o nosso coração estará inquieto enquanto não descansar em
ti».
O Catecismo da Igreja Católica, que Bento XVI aconselha como chave-de-luz para
este Ano da Fé, diz uma grande verdade: «O desejo de Deus está inscrito no
coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Ele não cessa
de atrair o homem a si e somente no Senhor o homem há de encontrar a verdade e
a felicidade que não cessa de procurar» (n. 27).
O primeiro passo para sairmos da cegueira que frustra o
coração consiste em não sufocar o desejo de Deus que todos nós temos, desperto
ou abafado, no fundo da alma; isso seria arrancar as nossas próprias raízes.
Para tanto, precisamos a humildade de reconhecer a nossa indigência: «Condição
essencial – dizia o Papa na homilia citada – é reconhecer-se cego, necessitado
dessa luz; caso contrário, permanece-se cego para sempre (cf. Jo 9,34-41)».
Bartimeu desejava ardentemente ver: pediu, insistiu, e não parou até conseguir
que Jesus o atendesse. “Que queres que te faça?” – Respondeu-lhe: “Senhor, que
eu veja”. Jesus lhe disse: “Vê: a tua fé te salvou”. E imediatamente ficou
vendo, e seguia Jesus, glorificando a Deus (Lc 18,41-43). Você não quer pedir
“Faz com que eu veja”? Creia que não há ninguém que o tenha pedido com
sinceridade e tenha ficado sem uma resposta.
Santo Agostinho, antes da conversão, rezava assim: «A ti, meu Deus, elevam-se meus
suspiros, e peço-te uma e outra vez asas para subir até ti. Se tu me
abandonares, logo a morte se abaterá sobre mim…» (Solilóquios, n.6). Pedia,
porque reconhecia que precisava de Deus, ainda que não tivesse a coragem de
abraçar a fé e de seguir-lhe o caminho. Da mesma forma, São Clemente de
Alexandria, que o Papa cita, fazia a seguinte oração: «Até agora andei errante
na esperança de encontrar Deus, mas porque tu me iluminais, ó Senhor Jesus,
encontro Deus por meio de ti, e de ti recebo o Pai, torno-me herdeiro contigo,
porque não te envergonhaste de me ter por irmão. Cancelemos, portanto,
cancelemos o esquecimento da verdade, a ignorância…
Nos tempos modernos, vale a pena evocar a conversão do Beato Charles de
Foucauld. Esse aristocrata ateu foi um devasso esbanjador; estudou a carreira
militar na Academia de Saint Cyr, e foi oficial, explorador científico e
aventureiro no norte da África. Após anos de vida intensa e de toda a sorte de
experiências, o vazio da sua alma revelou-se de maneira aguda e o derrubou
(Deus agia na noite do seu coração). Voltou à França e estando em Paris, em
1886, sentiu um tremendo puxão interior que o impelia, mesmo descrente, a ir a
uma igreja. «Comecei a ir à igreja sem ter fé. Experimentei que só me sentia
bem lá, ficando longas horas a repetir essa estranha prece: “Meu Deus, se tu
existes, faz com que eu te conheça”».
A graça da fé o invadiu e, um dia, com a
ajuda do padre Huvelin, converteu-se e entregou-se totalmente a Deus, o Amor
descoberto. Viveu bastantes anos, pobre, paupérrimo, desprendido de tudo, como
monge eremita, exercendo a caridade no meio das tribos tuaregs do Sahara.
Ninguém o acompanhou. Hoje, milhares de cristãos em todo o mundo o têm como
mestre e padroeiro.
Agradecido pelo grande dom da fé, fazia esta oração: «Como és bom, meu Deus,
como me guardaste, como me agasalhaste à sombra das tuas asas quando eu nem
acreditava na tua existência! … Como estou feliz! Meu Senhor Jesus, tu puseste
em mim esse amor por ti, tão terno e crescente, esse gosto pela oração, essa fé
na tua Palavra, esse sentimento profundo do dever da caridade, esse desejo de
imitar-te, essa sede de oferecer-te em sacrifício o melhor que eu puder dar-te…
Como tens sido bom! Como sou feliz!
Neste começo do Ano da Fé, vamos examinar
os porões da nossa alma. Alguns dos que leiam estas palavras talvez não tenham
fé. Outros a temos, mas que espécie de fé é a nossa? Será que já
experimentamos, como consequência da fé, aquela alegria que ninguém pode tirar
(cf. Jo 16,22)? Não? Então a nossa fé é fraca, pobre ou doente: é ainda uma
“fé-mendigo”, que deve pedir esmola como o cego de Jericó. Sendo assim pobres,
façamos como os pedintes. Supliquemos com Bartimeu: “Jesus, tem piedade de
mim…, que eu veja!”.
Esta é, realmente, a primeira coisa que precisamos fazer, porque a fé é um dom
divino. Nestes começos do Ano da Fé, Bento XVI recorda-nos uma verdade que os
catecismos já nos explicavam desde a nossa infância: «Perguntemo-nos – dizia o
Papa na quarta-feira, 24 de outubro de 2012 –: de onde haure o homem a abertura
do coração e da mente para acreditar no Deus que se tornou visível em Jesus
Cristo, morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de tal modo que Ele
e o Seu Evangelho sejam guia e luz da existência? Resposta: só podemos crer em
Deus, porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do
Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. Quer dizer que a fé é,
antes de tudo, uma dádiva sobrenatural, um dom de Deus».
Acrescenta o Papa que «a fé é dom divino, mas é também ato
profundamente livre e humano». Nesta meditação, ficaremos só na primeira parte:
o dom de Deus; sobre a segunda – o que o homem, além de pedir, deve fazer –
trataremos nas próximas meditações. Que eu veja! Tomara que nos decidamos a
“querer”, a rezar, a pedir, ainda que seja com a oração descrente com que
Foucauld começou. Os Salmos oferecem-nos muitas súplicas “prontas”,
maravilhosas. Transcrevo agora, para concluir, apenas algumas que talvez o
possam ajudar:
Como a corça anseia pelas fontes das águas, assim minha alma suspira por ti, ó
meu Deus. Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo! Quando irei ver a face de
Deus? (Sl 41[42], 2-3).
– Escuta, Senhor, a voz da minha oração. Tem piedade de mim e ouve-me. Fala-te
o meu coração; a minha face te procura. A tua face, ó Senhor, eu a procuro. Não
escondas de mim o teu rosto (Sl 26[27], 7-9). – Tenha, Deus, compaixão de nós e
nos abençoe. Faça resplandecer sobre nós a luz da Sua face! (Sl 66[67], 2).
Padre Francisco Faus
http://www.padrefaus.org